Elza Soares sem dúvida alguma é uma das maiores artistas deste planeta (e de qualquer outro!), tive a honra de escrever sobre sua trajetória no roteiro do quadro O Artista da Vez, do programa Consciência Brasileira, da rádio Estrela FM (ouça aqui). É com muita satisfação que volto a escrever sobre essa incrível figura e símbolo que inspira, mas dessa vez que trazer como foco os três últimos álbuns de Elza, obras construídas por um espírito que há mais de oito décadas vivência a vida no globo, as mudanças, a forma de se comunicar e enxergar a sociedade, e tudo isso está (e sempre esteve) na obra de Soares.
Assim como os grandes mestres do passado os quais tiveram fases distintas em suas jornadas, como Tim Maia no período rational culture, Raul Seixas e os experimentalismos com música regional, ou mesmo Chorão com seu hibridismo maloqueiro de estilos, Elza Soares também viveu ao longo de seus 89 anos fases distintas como artistas. No entanto, o diferencial de Elza é sua contemporaneidade, coexistindo artisticamente ao lado dessas figuras, e de tantas outras, e seguindo atual, não só no discurso ou postura, mas sendo ativa, produzindo e lançando álbuns.
Essa trindade de Elza "começa" em 2015 com o premiadíssimo álbum Mulher do Fim do Mundo, lançado pela gravadora Circus com apoio da Natura Musical, um trabalho que é difícil definir e classificado carinhosamente como "música do mundo", afinal o disco da carioca tem esse compromisso de comunicar-se com todo globo. A Maria pode até ser da Vila Matilde, mas a mensagem é sobre a violência doméstica que as mulheres sofrem em todos os hemisférios do planeta, ao mesmo tempo que mostra a fibra de todas as Marias. Além desse exemplo, vemos a transexualidade e luta cotidiana em "Benedita", o caos apocalíptico de uma metrópoles em "Luz Vermelha", o orgasmo em "Pra Fuder", as amizades de quebrada, o encontro com os manos em "Firmeza?!" e sobre negritude em "Solto". A faixa titulo, "Mulher do Fim do Mundo", rendeu a artista o primeiro videoclipe de sua vasta carreira, a música é uma composição de Rômulo Fróes e de Alice Coutinho e conta com elementos que narram a vida de Elza. O trabalho foi vencedor do Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Brasileira.
Assim como os grandes mestres do passado os quais tiveram fases distintas em suas jornadas, como Tim Maia no período rational culture, Raul Seixas e os experimentalismos com música regional, ou mesmo Chorão com seu hibridismo maloqueiro de estilos, Elza Soares também viveu ao longo de seus 89 anos fases distintas como artistas. No entanto, o diferencial de Elza é sua contemporaneidade, coexistindo artisticamente ao lado dessas figuras, e de tantas outras, e seguindo atual, não só no discurso ou postura, mas sendo ativa, produzindo e lançando álbuns.
Essa trindade de Elza "começa" em 2015 com o premiadíssimo álbum Mulher do Fim do Mundo, lançado pela gravadora Circus com apoio da Natura Musical, um trabalho que é difícil definir e classificado carinhosamente como "música do mundo", afinal o disco da carioca tem esse compromisso de comunicar-se com todo globo. A Maria pode até ser da Vila Matilde, mas a mensagem é sobre a violência doméstica que as mulheres sofrem em todos os hemisférios do planeta, ao mesmo tempo que mostra a fibra de todas as Marias. Além desse exemplo, vemos a transexualidade e luta cotidiana em "Benedita", o caos apocalíptico de uma metrópoles em "Luz Vermelha", o orgasmo em "Pra Fuder", as amizades de quebrada, o encontro com os manos em "Firmeza?!" e sobre negritude em "Solto". A faixa titulo, "Mulher do Fim do Mundo", rendeu a artista o primeiro videoclipe de sua vasta carreira, a música é uma composição de Rômulo Fróes e de Alice Coutinho e conta com elementos que narram a vida de Elza. O trabalho foi vencedor do Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Brasileira.
Videoclipe de "Mulher do Fim do Mundo", de Elza Soares
Já a segunda obra desse universo compartilhado é o álbum Deus é Mulher, de 2018, nesse disco, o 33º da artista, lançado pela Deck Disc,Elza faz um resgate as origens trazendo o samba em todas suas vertentes que a consagraram mesclado ao punk que foi sua vida, mostrando que seu lugar de fala é seu país logo na faixa que abre o disco, "O Que Se Cala", na sequência o groove é misturado com o grave eletrônico e com scratches, com produção e participação do rapper Edgar, Elza fala que "Exú no recreio não é Xou da Xuxa", numa reivindicação para o ensino das religiões de matrizes africanas nas escolas, que há tanto tempo foram negligenciadas e embranquecidas pelo cristianismo europeu. Aos 87 anos Elza mostra sua libido e segue cantando os prazeres da vida, como em "Banho", "Língua Solta" e "Eu Quero Comer Você". A música "Hienas Na TV", uma critica a classe política, foi a trilha de abertura da serie da Netflix Bandidos na TV, resumidamente o álbum Deus é Mulher aborda o empoderamento feminino, e seu florescer, como em "Olho Aberto" e "Dentro de Cada Um", o debate sobre as crenças, como em "Credo" e "Exú nas Escolas", além de "Deus Há de Ser", que liga todos esses pontos, o álbum não esquece das mazelas provocadas pela violência na sociedade, abordando a temática com groove e autenticidade. .
"O Que Se Cala", som de Elza Soares
Chegando em 2019, o terceiro disco, Planeta Fome, logo de inicio Elza une sua voz rouca a guitarra baiana e toda a originalidade do BaianaSystem em "Libertação". A marginalidade das crianças em situação de rua está musicada em "Menino", de autoria de Soares, e "Brasis", narrando da bipolaridade desse país. A critica ao desgoverno atual, que atua a base de fake news, e de muito "Blá Blá Blá" é abordada nesse som, com participação de BNegão, que junto seu rap ao groove quente e elétrico de Elza e canto de Pedro Loureiro, que traz Tim Maia refazendo versos de "Me Dê Motivos", a música ainda recicla versos de Gabriel, O Pensador, em "Chega". O samba-reggae de "Comportamento Geral" mostra que a letra de 1972, de Gonzaguinha, se mantém atual no triste Brasil de 2019-2020. Em "Não Tá Mais de Graça", Elza retorna com versos de "A Carne", grande sucesso na vez da carioca, música de 1998, de Seu Joreg, Marcelo Yuka e Ulisses Cappelletti, os riffs de guitarra e batida que alterna entre o orgânico e o eletrônico traz diversas referências, "de BIG a 2Pac, Marielle Franco, Rosa Parks", Neymar, Wakanda e Mongobe Bernard Ramose, com participação de Rafael Mike, do Dream Team do Passinho. "País do Sonho" é uma busca que Elza faz e cita seu ex-marido o jogador Garrincha (Obrigado Mané!).
Planeta Fome é uma obra tão incrível e fonte inesgotável de referencias, que ainda é preciso citar a música "Memória Para Um Tempo Sem memória", letra de 1980 sobre o período militar e que se torna atual com o governo miliciano da quadrilha fascista do atual presidente, a música conta com o trompete de Jessé Sadoc e da bateria de Pupilo (ex-Nação Zumbi) e fala do estado genocida que matou aqueles que ousaram lutar pelos direitos civis. A faixa que fecha o disco aborda a sexualidade homoafetiva em "Não Recomendado", a taxação que sociedade emprega sobre os "viados" com discursos preconceituosos, e referência a música de 1978 de Chico Buarque, "Geni e o Zepelim" e versos dos Titãs em "Comida", canção de 1987, com "Você tem fome de quê? Você tem sede de quê?", encerrando o disco Planeta Fome.
Mas antes, tem "Virei o Jogo", é outra faixa quente, e apesar de todo tom caótico da obra, a música remete a se levantar e tentar de novo após uma queda e em "Lírio Rosa", canção que ganhou videoclipe, o som suaviza o discurso desesperançoso do álbum, trazendo a cadência do romantismo que outrora elevou a carreira de Soares.
Nesses três últimos discos de Elza Soares, percebemos uma proximidade da artista com o Hip Hop, além de maior peso de guitarras nos sambas, buscando a conexão punk com o groove, muitos podem pensar que esse flerte com o rap se dá pela ascensão do gênero e que a produção da cantora agora surfa no hype do estilo. Ledo engano! Em 2002, Elza experimentou o afrosamba recheado com alguns boombap's e scratches em seu álbum Do Cóccix Até o Pescoço, em "Hoje É Dia de Festa" vemos samples de Thaide & DJ Hum, e em "A Carne", samples de Edi Rock e DMN, em "Etnocopop" uma critica sobre a violência policial em beat suingado, mas o rap deixa ser apenas uma inspiração para ser, de fato, protagonista, nas faixas "Todo Dia", música que conta participação do grupo Nós do Morro, da favela do Vidigal, e em "Haiti", música de 1968, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, com samples do Maestro do Canão, o eterno Sabotage.Todas essas colagens tem um responsável, DJ Cia, na época maestro dos toca-disco recém chegado ao RZO, após deixar o grupo MRN.
Com quase 90 anos, Elza se mantém inquieta, experimentando e sem receio algum quanto aceitação, a discografia dessa Mulher do Fim do Mundo é bela e incrível, mas os três últimos trabalhos mostram sua genialidade e divindade sonora, já que Deus É Mulher. Além disso, na música contemporânea ao desgraçado desgoverno que vivemos, vemos no rap, reggae ou rock, gêneros que tem como preceitos a inquietude e são voz para o descontentamento, artistas passivos a todo esse contexto, quando não acenando para o inimigo, e Elza vem tacar fogo no parquinho, vem fazer esse papel de criticar, pois um Planeta Fome não se remete, apenas, a comida, mas a fome de cultura, de arte, de diversão, de direitos, de cidadania, de liberdade de expressão e de sexo e sexualidade.
Máximo respeito a rainha Elza Soares! Ahh, e não poso esquecer de citar a música "Elza", lançada pelo coletivo Rimas & Melodias, formado por Alt Niss, Drik Barbosa, Karol de Souza, Mayra Maldjian, Stefanie, Tássia Reis e Tatiana Bispo, canção que fala da luta histórica e cotidiana das integrantes tendo como inspiração a trajetória de Elza Soares:
Chegando em 2019, o terceiro disco, Planeta Fome, logo de inicio Elza une sua voz rouca a guitarra baiana e toda a originalidade do BaianaSystem em "Libertação". A marginalidade das crianças em situação de rua está musicada em "Menino", de autoria de Soares, e "Brasis", narrando da bipolaridade desse país. A critica ao desgoverno atual, que atua a base de fake news, e de muito "Blá Blá Blá" é abordada nesse som, com participação de BNegão, que junto seu rap ao groove quente e elétrico de Elza e canto de Pedro Loureiro, que traz Tim Maia refazendo versos de "Me Dê Motivos", a música ainda recicla versos de Gabriel, O Pensador, em "Chega". O samba-reggae de "Comportamento Geral" mostra que a letra de 1972, de Gonzaguinha, se mantém atual no triste Brasil de 2019-2020. Em "Não Tá Mais de Graça", Elza retorna com versos de "A Carne", grande sucesso na vez da carioca, música de 1998, de Seu Joreg, Marcelo Yuka e Ulisses Cappelletti, os riffs de guitarra e batida que alterna entre o orgânico e o eletrônico traz diversas referências, "de BIG a 2Pac, Marielle Franco, Rosa Parks", Neymar, Wakanda e Mongobe Bernard Ramose, com participação de Rafael Mike, do Dream Team do Passinho. "País do Sonho" é uma busca que Elza faz e cita seu ex-marido o jogador Garrincha (Obrigado Mané!).
Videoclipe de "Comportamento Geral", de Elza Soares
Planeta Fome é uma obra tão incrível e fonte inesgotável de referencias, que ainda é preciso citar a música "Memória Para Um Tempo Sem memória", letra de 1980 sobre o período militar e que se torna atual com o governo miliciano da quadrilha fascista do atual presidente, a música conta com o trompete de Jessé Sadoc e da bateria de Pupilo (ex-Nação Zumbi) e fala do estado genocida que matou aqueles que ousaram lutar pelos direitos civis. A faixa que fecha o disco aborda a sexualidade homoafetiva em "Não Recomendado", a taxação que sociedade emprega sobre os "viados" com discursos preconceituosos, e referência a música de 1978 de Chico Buarque, "Geni e o Zepelim" e versos dos Titãs em "Comida", canção de 1987, com "Você tem fome de quê? Você tem sede de quê?", encerrando o disco Planeta Fome.
Mas antes, tem "Virei o Jogo", é outra faixa quente, e apesar de todo tom caótico da obra, a música remete a se levantar e tentar de novo após uma queda e em "Lírio Rosa", canção que ganhou videoclipe, o som suaviza o discurso desesperançoso do álbum, trazendo a cadência do romantismo que outrora elevou a carreira de Soares.
Nesses três últimos discos de Elza Soares, percebemos uma proximidade da artista com o Hip Hop, além de maior peso de guitarras nos sambas, buscando a conexão punk com o groove, muitos podem pensar que esse flerte com o rap se dá pela ascensão do gênero e que a produção da cantora agora surfa no hype do estilo. Ledo engano! Em 2002, Elza experimentou o afrosamba recheado com alguns boombap's e scratches em seu álbum Do Cóccix Até o Pescoço, em "Hoje É Dia de Festa" vemos samples de Thaide & DJ Hum, e em "A Carne", samples de Edi Rock e DMN, em "Etnocopop" uma critica sobre a violência policial em beat suingado, mas o rap deixa ser apenas uma inspiração para ser, de fato, protagonista, nas faixas "Todo Dia", música que conta participação do grupo Nós do Morro, da favela do Vidigal, e em "Haiti", música de 1968, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, com samples do Maestro do Canão, o eterno Sabotage.Todas essas colagens tem um responsável, DJ Cia, na época maestro dos toca-disco recém chegado ao RZO, após deixar o grupo MRN.
Versão de "Haiti", por Elza Soares
Com quase 90 anos, Elza se mantém inquieta, experimentando e sem receio algum quanto aceitação, a discografia dessa Mulher do Fim do Mundo é bela e incrível, mas os três últimos trabalhos mostram sua genialidade e divindade sonora, já que Deus É Mulher. Além disso, na música contemporânea ao desgraçado desgoverno que vivemos, vemos no rap, reggae ou rock, gêneros que tem como preceitos a inquietude e são voz para o descontentamento, artistas passivos a todo esse contexto, quando não acenando para o inimigo, e Elza vem tacar fogo no parquinho, vem fazer esse papel de criticar, pois um Planeta Fome não se remete, apenas, a comida, mas a fome de cultura, de arte, de diversão, de direitos, de cidadania, de liberdade de expressão e de sexo e sexualidade.
Máximo respeito a rainha Elza Soares! Ahh, e não poso esquecer de citar a música "Elza", lançada pelo coletivo Rimas & Melodias, formado por Alt Niss, Drik Barbosa, Karol de Souza, Mayra Maldjian, Stefanie, Tássia Reis e Tatiana Bispo, canção que fala da luta histórica e cotidiana das integrantes tendo como inspiração a trajetória de Elza Soares:
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