Enfim
em 2020 e o empoderamento feminino, negro e periférico nunca estiveram tão em
alta certo? ERRADO! Mesmo com o protagonismo de mulheres em diversas mídias,
como filmes e series, o espaço conquistado ainda pouco, comparado ao de homens
brancos, quando se trata de Brasil a coisa é pior ainda, afinal num pais
racista e com um estado assassino, e agora fascista e misógino, qualquer
preocupação de avanço com essas pautas são mitigados.
As
vozes das mulheres sempre foram abafadas, a história é contada por homens, e
mesmo havendo registro da participação efetiva das minas em grandes eventos,
pouco se fala disso. A exemplo no nascimento do Hip Hop, você já deve ter
ouvido diversas histórias do surgimento da cultura, ouviu falar de Kool Herc,
Afrika Bambaataa e Grand Master Flash, ouviu falar de vários outros nomes dessa
fase embrionária desse movimento, mas acredito que pouco, ou nada, tenha ouvido
falar da Cindy Campbell!
Cindy Campbel, imagem da internet
A
história resume a existência de Cindy como a irmã do DJ Kool Herc, mas além de
dividir o mesmo DNA e origem que o jamaicano, partiu da garota a ideia de
realizar a lendária festa do dia 11 de agosto de 1973, aquela mesma do úmero
1520 da Avenida Sedgwick. Bem verdade que Herc foi o grande nome da festa, ele
quem fez o baile ferver, mas Cindy Campbell foi o pivô que originou o início do
Hip Hop, tendo a determinação para organizar a festa de volta às aulas do ano
de 73, porém não era uma festa comum e sim um evento para relembrarem suas
origens na Jamaica, e convenceu o irmão para botar o som num sound system ali
no Bronx. E se engana quem acha que sua contribuição foi de uma simples
organizadora, Cindy foi a primeira produtora de um evento de Hip Hop no mundo,
além disso foi b.girl, antes do termo existir, e também grafiteira, assinando
com a tag PEP-1 (174).
Sharyline, foto reprodução extraída do twitter @boze cialo
No
Brasil a história não é diferente, quando lembramos dos pioneiros logo vêm os
nomes de Thaide & DJ Hum, Pepeu, MC Jack, Mike ou os Racionais MC’s, mas
poucos se recordam de Sharylaine, seja por falta de conhecimento ou por um machismo
escroto que, mesmo que inconsciente, faz esse apagamento das mulheres. Sharylaine
estava presente em um dos primeiros discos de rap do país, o Consciência Black
(vol. 1), de 1989, são mais de 30 anos de história,
porem com pouquíssimo reconhecimento. Ainda nos 80, Mike, tido como um dos
primeiros rappers do Brasil, teve a pachorra de gravar e lançar uma das músicas
mais escrotas do rap nacional, com o título: “Bato em Mulher”, que saiu no álbum
homônimo lançado em 1993, pela TNT Records, e trecho dessa bizarrice diz:
“Bato em mulher / pois logo arrumo outra [...] Somos superiores e
sempre seremos / Somos seus mestres e em casa mandaremos”
Você
pode dizer que os tempos eram outros e que o mundo evoluiu, vários artistas
pisaram na bola em letras machistas, como os Racionais MC’s em “Mulheres
Vulgares”, mas que agora a coisa mudou e as mulheres são respeitadas e
protagonizam uma cena que coloca vários machos no bolso, mas ainda não é bem
assim. Seguimos com um pouco mais de contextualização histórica.
Adentrando
nos anos 90 e a história não muda, de Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo, a MC
Regina, fundadora do grupo Rap Atual, em 1991, e da posse R.D.R.N em 1992, hoje graduada em pedagogia com
pós-graduação em psicopedagogia e co-autora do livro Perifeminas – Nossas Histórias
(Independente, 2013), mas mesmo com um currículo desse calibre a arteducadora é
ignorada pelos grandes meios do Hip Hop brasileiro.
MC Regina, foto extraída de vídeo do canal TV Nas Ruas em que a artista cede entrevista
Visão
de Rua foi um grupo que quebrou um pouco desse tabu, formado em Campinas pela
Dina Di, que merecidamente leva o título de rainha do rap, também teve entre
seus membros outras minas, como a Tum, Cris e Lauren, assim como o Atitude
Feminina, do Distrito Federal, formado pelas minas Jane, Giza Black, Aninha e
Hellen, ou a Nega Gizza no Rio de Janeiro ou da Brasilândia a Negra Li, por
muitos anos conhecida apenas pelo backing vocal, são nomes que ganharam uma certa fama
no rap nacional dos anos 90 e 2000, mas que seguem apagados dos estudos
históricos a cerca do Hip Hop, ou com menos destaque que o merecido.
Em
2020 a cena mudou, e muito, em relação as minas, mas o cenário ainda não é
totalmente favorável como muitas vezes é vendido, principalmente pelas mídias fora
do Hip Hop que insistem em noticiar a cultura, como sendo íntimos a ela. Quando
se trata de uma mina negra e periférica o buraco é mais em baixo, e o racismo
velado se torna explicito. No último dia 23/02 a artista Cris SNJ foi alvo do
apagamento racista, esse promovido pela UOL, na figura de Carol Martins, que
publicou matéria sobre cobertura do bloco Beat Loko, organizado pelo DJ Cia, no
Rio de Janeiro e em São Paulo, onde a jornalista escreveu:
“Única
representante do sexo feminino a subir no trio, Cynthia Luz, 26 anos, vem
crescendo como mulher, jovem, branca, sem ter vindo do gueto, ao contrário do
cenário predominante masculino e da periferia."
Cris SNJ, foto extraída do perfil do Facebook da artista
Tal
afirmação negligenciou a participação de Cris, que ao lado do SNJ, subiu ao
palco para três músicas. Isso mostra como as mídias atuais, e fora do Hip Hop,
ainda não são bem receptiva as mulheres, tanto que nem nota sua aparição em um
evento desse porte, aliás, a mulher que foi notada foi a branca, com menos
tempo de caminhada que a icônica Cris SNJ, porém com os padrões que se encaixam
no editorial da Carol Martins, a qual acredito não ser racista, pois ela deve
até ter amigos negros, assim provavelmente se defenderia de uma afirmação
dessa. Mas especulações a parte, o fato é que uma lendária artista do Hip Hop foi
silenciada pela matéria do UOL. Uma artista negra, mulher, mãe e periférica,
como citado na nota emitida pela acessória de imprensa da cantora.
O
Hip Hop, de modo geral, se esquece de suas mulheres, as minas que foram pilares para criação e
propagação da cultura. E as mídias que se aproveitam do Hip Hop continuam a
linha do esquecimento, porém adicionando o racismo nesse enredo. E nós seguimos
lembrando e respeitando essas grandes guerreiras.
Máximo
respeito a todas as mulheres do Hip Hop! Força Cris SNJ!
Leia mais no site Noticiário Periférico
Também se fala pouco sobre a Silvya Robinson
ResponderExcluir