Banner do seu site

O Lado B do Racionais MC's

Jeff Ferreira
By -
1

Os Racionais MC’s dispensam apresentação, o grupo ultrapassou a barreira do rap e se tornou um grande nome da música popular brasileira. KL Jay, Ice Blue, Mano Brown e Edi Rock criaram clássicos que atravessaram gerações e serviram de referência para inúmeras outras criações. No entanto, o grupo com uma sólida carreira de 30 anos, possui canções que não se popularizaram tanto quanto aquelas que estão no repertório dos shows e na ponta da língua dos fãs. Nesse texto o Submundo do Som traz um pouco do Lado B do grupo mais importante do Hip Hop nacional, passando pela discografia dos Racionais MC’s e resgatando músicas nem sempre lembradas.

A começar com “Beco Sem Saída”, música que compõe o álbum de 1990, O Holocausto Urbano, a letra é levada por Edi Rock e aborda as mazelas da sociedade numa forte critica social ao mesmo tempo que incentiva a persistência, numa mensagem clara e direta para os manos da periferia. O sample da música é de “Strange Games & Things”, de 1976 da orquestra do cantor Barry White, a Love Unlimited Orchestra, além dos scratches com colagens da música “Tempos Difíceis”, também do grupo, na versão que integrou a coletânea Consciência Black, de 1989.

Do álbum Escolha Seu Caminho, de 1992, que na verdade trata-se de um single duplo com versões de “Voz Ativa” e com a música “Negro Limitado”, e é justamente essa última que se encaixa no Labo B dos Racionais. A temática é o que é o "Lado A" dos Racionais no começo da década de 90, a consciência sobre questões negras no Brasil, numa dobradinha entre Mano Brown e Edi Rock, denunciando e protestando contra o racismo e falta de posicionamento.

“Negro Limitado” tem bateria sampleada de “Synthetic Substitution” do cantor de R&B Melvin Bliss, e a propósito que estamos falando de Lado B, as músicas menos populares de Bliss serviram de inspiração para a construção de grandes clássicos do rap estadunidense, sendo sampleado por N.W.A., 50 Cent, Eminen e muitos outros. A música contém também sample de riffs de Isaac Hayes, na canção “Walk on By”, do ano de 1969.

Em 1993 veio o álbum Raixo X do Brasil, disco de grandes sucessos. Uma das músicas que menos ecoou foi a intitulada “Parte II”, que leva esse nome por ser uma espécie de continuação de “Mulheres Vulgares”, do álbum Holocausto Urbano. Ao som sampleado de James Brown, em “Get Up Offa That Thing”, Edi Rock retoma seu protesto contra mulheres que ele julga tóxicas. “Mulheres Vulgares” ficou mais conhecida do que sua sucessora, e reconhecida pelo próprio grupo como uma música machista, acredito que, apesar de “Parte II” ser mais "leve" e menos generalista, também deve estar na lista de músicas que o grupo escanteou.

Júri Racional” é uma música que tocou bem com o lançamento de Raio X do Brasil, mas não atravessou gerações como, por exemplo, “Homem na Estrada”, e nos dias de hoje é integrante desse lado B dos Racionais MC’s. Aqui Edi Rock, Ice Blue e Mano Brown disparam sobre a desigualdade social e o preconceito contra os mais pobres enquanto o coro é engrossado “Não somos fãs de canalhas”. O instrumental da música foi construído em cima de “Cissy Strut” da banda de funk de Nova Orleans The Original Meters. Ainda do álbum Raio X do Brasil, “Fio da Navalha” é tão Lado B que mau se fala desse som na discográfica do grupo, essa é uma faixa interessantíssima, há sample de Marvin Gaye, da música “Main Theme From Trouble Man”, mas o que se destaca é o orgânico, composto por um time com Wander Carneiro no Baixo, Edmilson no saxofone, teclados performados por Newton Carneiro e direto da Zona Norte Arthur da Gaita no instrumento que leva nome, além, é claro, de toda maestria de KL Jay nos toca discos e bateria eletrônica. Com rápidas falas de Edi Rock, Ice Blue e Mano Brown a faixa é instrumental, meio drum & bass com influências de jazz e predominantemente um blues.

No álbum seguinte, Sobrevivendo no Inferno, de 1997, é difícil apontar uma música que não tenha feito sucesso e ganhado o público, afinal o disco é o mais épico do rap nacional e todas as quebradas celebraram esse registro da primeira a última faixa, assim apontamos a música “...” um instrumental criado por Edi Rock, mostrando suas habilidades de beatmaker.


O álbum Nada Como Um Dia Após O Outro Dia é o que mais reúne músicas “B” dos Racionais, não que o disco não tenha sido um sucesso, pelo contrário ele também bateu forte e trouxe canções atemporais, o fato é que essa obra se trata de um disco duplo com os álbuns, Chora Agora e Ri Depois, e é natural que com uma quantidade grande de faixas algumas não virassem hits. “De Volta a Cena” traz sample de All Green, de seu quinto álbum, de 1972, I’m Still in Love Wuth You, da faixa “Simply Beautiful”, e Edi Rock traçando um paralelo que enaltece o retorno dos Racionais, com o esse disco, e as dificuldades da caminhada, do dia-a-dia da periferia.

Otus 500” traz Ed Nigth e KL Nigth, nomes que Edi Rock e KL Jay usavam antes de se juntarem com Brown e Blue. Destaque para performance do DJ que em meio a scratches traz colagens com “Racistas Otários” e “Voz Ativa”, do próprio Racionais MC's, além de “Legítima Defesa” do Tribunal Popular” e “Carta á Sociedade” do grupo 509-E”. A letra e voz de Edi Rock falam sobre os 500 anos do Brasil, de como os coisas não melhoraram e como a corda arrebenta sempre para o lado mais pobre.

Mais uma canção de Edi Rock, “Expresso da Meia-Noite” é uma daquelas que a ala mais gangsta do movimento abraçou logo de cara, rolando mais essa faixa no CD pirata do que outra qualquer com que status de hit. Porém ainda sim entra no quesito Lado B dos Racionais, por ser uma faixa desconhecida da massa e em meio a grandes sucessos de trinta anos de caminhada essa música não teve repercussão similar a suas irmãs de mesmo álbum. Com colagens de “Pânico na Zona Sul” em “só quem é de lá sabe o que acontece” que traz exatamente a essência da letra, só quem é morador de uma área tensa sabe como as coisas funcionam.

Chegando no último álbum do grupo, o Cores & Valores, que não foi compreendido por parcela dos fãs, onde muitos criticaram a modernidade do trabalho, achando que os Racionais se descolaram demais de suas origens, partindo dessa premissa, esse disco como um todo é o lado b dos manos, com exceção de “Preto Zika” e “O Mau e o Bem”, que fizeram sucesso, as demais canções não tiveram o mesmo desfecho. “A Praça” e “Quanto Vale o Show” ainda repercutiram um pouco mais, talvez por comporem a definição de “faixa cheia”, já que as demais são uma espécie de vinhetas que compõe a ópera rap que é o disco, sendo necessárias escutá-las de forma conjunta e sequencial. Mas nos atentamos ao fato de Cores & Valores marcar o retorno dos Racionais MC’s em um novo disco após doze anos, essa volta deveria repercutir muito mais, talvez esse o reflexo de uma cena saturada, com lançamentos quase que diários, e desse álbum destacamos duas músicas que pelo seu enredo, construção e contexto mereciam figurar no Lado A do grupo.

Eu Compro” traz uma faixa dedicada a Ice Blue, o que fãs dos Racionais esperavam há anos, um maior protagonismo do quarto elemento do grupo. Nessa track Blue divide vocais com Helião, do RZO, que faz o refrão, com relances de Mano Brown (sacou a inversão de papeis?), e com letra que fala do poder de compra, o jovem periférico desejando poder gastar, e a autoafirmação da periferia podendo efetuar suas compras almejadas.

Fechando a lista tem a faixa “Eu Te Proponho”, que vem na transição do Mano Brown dos Racionais MC’s, para o Brown do disco solo Boogie Naipe, com direito de verso incidental utilizado na música “Felizes”, nessa faixa do Racionais, temos uma canção romântica, algo inédito na discografia dos caras, no melhor estilo Bonnie & Clyde, Mano mostra sua veia narrativa somada com a lírica poética e de um romance incendiário. O sample utilizado é de Roy Ayers em “Liquid Love” e os riffs de Bob James com “Nautilus”, além do pai do Soul no Brasil, Cassiano, com trecho de “Castiçal”, de 1973, encerrando a canção, e a nossa lista.

Abaixo uma playlist com as 11 faixas listadas como o Lado B dos Racionais MC’s, se liga:

Tags:

Postar um comentário

1Comentários

Postar um comentário