O carnaval de 2020 chega ao seu fim trazendo feridas de um fascismo que tentou, e tenta, censurar a cultura popular. Os novos relatos vem da terra do manguebit, onde eventos que ocorreram em Recife tiveram ordem, por parte da policia militar, de que as bandas não tocassem Chico Science!
Recentemente o jornalista e critico musica Régis Tadeu publicou um vídeo sobre como seria o carnaval atual se Chico Science estivesse vivo (confira aqui). Nesse trabalho Régis lembra que o Poeta do Mangue faleceu em fevereiro, mês da folia carnavalesca, e como sua falta atingiu fortemente a todos, muitos blocos passaram a homenagear Chico, numa época, 1997, que os mega carnavais de avenidas, com escolas de samba, já não estavam atraindo a multidão, por ser um entretenimento caro e com apresentações elitizadas. Assim nasceu o bloco Mangue Beat, criado em homenagem a Chico Science, que também constantemente é lembrado pelo Galo da Madrugada, bloco recifense, considerado pelo Guiness como o maior do mundo.
Chico Science virou sinônimo de carnaval de rua, de festa e de folia, pois suas letras, apesar de recheadas de criticas sociais, têm caráter festivo e de celebração, acompanhados pelo groove da cozinha do Loustal e os tambores de maracatu do Lamento Negro, bloco de samba reggae do Centro Cultural Daruê Malungo, as bandas se fundiram e fizeram nascer a Nação Zumbi, nome em homenagem as Nações de maracatu e ao líder Zumbi dos Palmares.
Porém toda essa alegria que a figura de Chico transmite foi trocada por repressão e censura no carnaval de 2020, marcado pelo fascismo do atual desgoverno brasileiro. No dia 24 de fevereiro, segunda feira, na rua do Apolo, no Recife Antigo, acontecia um festival de música alternativa com a apresentação de quatro bandas, mas foi na performance do grupo Janete Saiu Para Beber, que fazia uma homenagem as bandas Chico Science e Nação Zumbi e Sheik Tosado que a censura foi imposta. Em nota divulgada no instagram da banda eles descreveram a situação:
"Durante o início da apresentação, um grupo de policiais militares que estava circulando pela rua do Apolo, parou e ficou observando o show. Algumas das canções entoadas como “Sangue de Bairro”, “Monólogo ao pé do ouvido” e “Banditismo por uma questão de classe” irritaram alguns dos policiais presentes, que foram questionar a produção do evento sobre o teor dessas músicas. Segundo um dos produtores do evento, Du Lopes - que dialogou com os PMs - eles exigiram o fim do evento, argumentando que, em suas próprias palavras: “Não pode tocar Chico Science. Chico é som de briga! Não pode tocar!”. Neste momento foi apresentado ao oficial presente, toda a documentação exigida por lei para que o evento acontecesse.
Desconhecendo toda a situação que acontecia nos bastidores do evento, o vocalista Cesar Braga, entre uma das músicas, proferiu um xingamento contra o fascismo e seus apoiadores. Em nenhum momento essas palavras foram direcionadas a Polícia Militar, como se pode conferir nas imagens registradas e divulgadas pela banda em suas redes sociais.
Por conta disso, os policiais que estavam dialogando com os produtores, ameaçaram prender o vocalista por desacato a autoridade e injúria e pediram o encerramento imediato da apresentação. Enquanto os policiais que permaneceram na frente da casa, formaram uma barreira entre o palco e o público, intimidando todos os presentes.
A produção do evento, tentando apaziguar a situação e
temendo a prisão arbitrária de um dos músicos, solicitou que a banda
encerasse o show. Devido ao diálogo, a produção conseguiu prosseguir com
o evento, alegando ainda que as próximas apresentações seriam com
letras em inglês, como forma de amenizar a tensão desnecessária".
Outro episódio que aconteceu também em Recife foi com a banda paraibana Zefirina Bomba, como descreveu o O jornalista Marcelo Moreira, em sua coluna no Portal UOL:
"A denúncia foi feita pelos integrantes da banda Zefirina Bomba, um dos nomes mais importantes do rock nordestino. Eles tocavam em Recife em um tributo a Chico Science quando a apresentação foi interrompida durante a música "Banditismo Por Uma Questão de Classe".
PMs afastaram de forma truculenta os espectadores que estavam à frente do palco, fizeram um cordão de isolamento ali e ameaçaram o vocalista de prisão caso as músicas de Chico Science fossem executadas".
Cannibal, vocalista da banda Devotos, famoso conjunto do punk rock recifense, em entrevista para o programa Radio Livre, da Rádio Jornal,denunciou a censura que a banda sofreu durante apresentação no Polo da Várzea, no dia 23 de fevereiro, onde foram alertados que se cantassem músicas que falassem mau da policia, o show seria interrompido, e relata:
"A gente tinha cantado essa música (Banditismo Por Uma Questão de Classe) de Chico Science e outra nossa chamada "De Andada", quando nosso roadie chegou a nós e disse que a policia estava atrás do palco e falou para a produção que se cantássemos outra música falando mau da policia, eles acabavam o show".
Esse é o terceiro relato de artistas censurados por entoar a música "Banditismo Por Uma Questão de Classe" de Chico Science, a canção integra o álbum de estreia de CSNZ, o Da Lama Ao Caos, de 1994, a letra fala sobre a ação violenta da policia, traçando um paralelo com a volante que perseguia os cangaceiros nos tempos de Lampião. O trecho mais explicito é o que diz:
"Em cada morro uma história diferente
Que a polícia mata gente inocente
E quem era inocente hoje já virou bandido
Pra poder comer um pedaço de pão todo fodido"
A música cita bandidos de fama das histórias policiais do Recife, como o Galego da Favela do Coque, o Biu do Olho Verde que amedrontava suas vitimas com um alicate e a mistica Perna Cabiluda, que no imaginário popular não se trata de um mero bandido e sim uma assombração. A letra faz critica a desigualdade social, como é o conceito do álbum Da Lama Ao Caos, e aborda a situação que muitos vivem ao entrarem para o banditismo, não por uma questão de classe, e sim por necessidades e mostra a policia como antagonista, e que apesar de Chico cantar, a frase "Que a polícia mata gente inocente" não parte do artista, e sim das estatísticas, como mostra o site Jus.com.br no artigo: Polícia brasileira: a que mais mata e a que mais morre.
Vídeo com as músicas "Monologo Ao Pé do Ouvido" e "Banditismo Por Uma Questão de Classe"
Há um padrão nesses três casos de censura, a policia se indignou com a mesma canção de um dos maiores artistas pernambucanos em eventos que o homenageavam. O comando da policia recifense sabia que no carnaval o artista seria citado, como acontece todos os anos desde seu falecimento, e sabia também que uma das músicas de maior sucesso de Chico apontava o dedo na cara da corporação, e assim partiu uma ordem para que todo e qualquer evento que tocasse Science fosse oprimido sobre alegações fajutas e canalhas de "Chico é som de briga" ou "música que fala mau da policia".
Com um governo despreparado e assumidamente fascista como o de Jair e seus capangas a banda podre da instituição, a policia militar, se sente motivada a materializar o fascismo que corre em suas veias e praticar a censura que reprimiam desde os tempos da ditadura, ou ensaiam com desejo que um novo golpe ganhe as ruas. Nós seguimos na resistência e agora, mais que nunca, fazemos de "Banditismo Por Uma Questão de Classe" um hino contra essa censura covarde e desestabilização da memória de Chico Science.
A polícia atrás deles, e eles no rabo dela!
que absurdo
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