Nóis é rua até dentro de casa! E foi assim num contexto de pandemia, isolado em sua casa, junto de sua Magrela, Luiza Machado, e após 150 horas de transmissão via Twitch, que Marcelo D2 mostra como tocam seus tambores.
Aos 52 anos de idade e com o espirito eterno de um menino, Marcelo lança seu oitavo disco de estúdio. Assim Tocam Meus Tambores é uma aglomeração cultural de artistas reais, sem máscara e vacinados, um time experiente e que se cuida e nos entrega um dos melhores trabalhos de 2020. “O que seria dessa porra trancado sem vocês?” é uma das frases da introdução “Bem Vindo Meus Crias”, música que sintetiza bem a áurea caseiro do álbum, com beat assinado pelo DJ Nuts.
Na sequência vêm para a faixa Anelis Assumpção, BK, Baco Exu Do Blues, Juçara Marçal em “Rompeu o Couro”, música que varia do peso do rap para o suingue suavizado, com Beatz do Nave, em letra que clama por alguém que nos ajude a sair desses tempos sombrios: “mas há de surgir um herói entre os escombros”. A música retrata o Brasil utópico de 2020 em uma poesia visceral e sensível: “Pastores arrebanham seus fiéis, eu daqui só ouço as vozes dos cruéis”.
Na sequência a dobradinha é com um dos mais originais rappers da atualidade, Rodrigo Ogi, responsável por uma discográfica fantástica, a música tem a dupla de MC’s se intercalando em “4ª as 20h”, com instrumental assinado pelo genial Kamau, a música fala do que D2 sempre falou, porém em uma ditadura velada, com censura 2.0, agora fala de forma não explicita, nas entrelinhas, a começar pelo título. “Pra falar com meus irmãos agora é só em código, querem colidir pra coibir o colibri, pensamento bate asas dentro do sarcófago”, inclusive a música inicia-se com sample do escrivão datilografando trecho do depoimento de Gilberto Gil a ditadura, ao ser pego com um baseado em 1976: “Declarou que, entre aspas, gostava da maconha e que seu uso não lhe fazia mal nem lhe levava a fazer o mal, fecha aspas. Ponto”.
Em a “Verdade Não Rima”, com outro instrumental de Nave, Marcelo D2 traz uma nova “Zerovinteum”, clássico do Planet Hemp: “Cidade maravilhosa que hoje em dia já não dorme em paz, nostalgia me afeta daqueles que já não vejo mais”, uma das fixas mais poéticas do álbum, com sample de Fátima Guedes em “Onze Fitas”, o MC versa sobre a polícia racista e assina, sobre os ditos cidadãos de bem que passam pano para essa gente e fala diretamente com os eleitores desse crápula na cadeira da presidência: “Se escondem atrás de suas santidades, são esses os seus heróis, um bando de covardes?”, além de tecer um tapa na cara do ex-ministro da “educação”, Abraham Weintraub: “Espalham mentiras e fogem pra Miami”.
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D2 em performance da música "Pela Sombra" |
Já em “Malungoforte”, D2 se junta a Hélio Bentes e Russo Passapusso (BaianaSystem) para falar de quem vale a pena, e que aqui tecem uma genial homenagem a Chico Science, o eterno poeta do mangue, usando o refrão de “A Praiera”, música do álbum de estreia do pernambucano. O baiano Passapusso ainda cita a crew do mangueboy: “Já falei Nação Zumbi que o fogo queima, chama”. D2 declara que nasceu um novo líder, talvez o herói que clamou versos atrás: “Nasceu um novo líder e acendeu a chama”, aqui se lembra do malungo forte Chico e que a resistência é cultural, como Marcelo já cantou um dia. A produção é novamente de Nave.
A faixa de número seis é um conto do continente africano, a história do primeiro batuque em “Tambor, O Senhor da Alegria”, e quem faz essa narrativa é o Criolo, em cima de uma produção feita pelo próprio Marcelo:
“Em
seguida
usou o fogo para tornar oco o pedaço de um tronco
seco da floresta. Sobre uma das extremidades do
tronco oco, Zazi esticou o couro do animal e inventou
Ng'oma – o primeiro tambor
Zazi começou a percutir o couro com toda a força
e destreza. Aluvaiá, aquele que os iorubás conheciam
como Exu e os fons como Legbá, gingou ao som
do tambor de Zazi.”
Seguindo temos “Deus de Outro Lugar”, uma produção de Tropkillaz e de Rogê BR que faz o refrão mostrando o agradecimento ao dia a dia em louvação: “E no terreiro eu firmo o pé no chão, agradecendo a minha caminhada”, uma faixa em que D2 busca forças para seguir a luta diária: “Poеmas sempre vão esmagar ideias fascistas, mantenha-se vivo, essa é a resistência” e ao mesmo tempo traça um paralelo de sua correria até aqui: “Vândalo da rua virou capa de revista”, “sempre agradecido brother”, principalmente a cultura Hip Hop. Em “As Sementes”, produção de Nave Beatz e participação da banda Os Crias, Marcelo assina a letra do forró-rap com Beto Herrmann e fala sobre amor, no plural, para combater o ódio direto da direita.
Com introdução sampleada de Darcy Ribeiro, no documentário “O Povo Brasileiro”, “É Amanhã (Vem)”, D2 e Don L rimam em cima de um instrumental com influências do jazz e trip hop, e colagens com scratches certeiros “como o sol que vai surgir”, a música é preludio para as reflexões internas e pessoais, o tom intimista é realçado pelo vocal de Luiza Machado e a produção é de Dr Drumah, dentre suas análises introspectivas Marcelo conclui: “Já fechei boteco mas nunca fechei com o errado”.
A faixa dez é uma parceria como um amigo de longa data, outro malungo forte, dessa fez Jorge Du Peixe, vocalista da Nação Zumbi. Os dois artistas estiveram juntos em uma track na ocasião do lançamento da homenagem a Chico Science em “Malungo”, junco Marcelo Falcão, Jorge Bem e toda Nação Zumbi. Com produção do DJ Nuts, “Pela Sombra” é uma faixa política e tece críticas para o governo e ao mesmo tempo para o povo que segue passivo: “Like no Instagram e nada na cabeça, escritório do ódio, nem se escondem mais, sádico tiranos, eles querem é mais” no triste momento que o mundo e o Brasil vivem: “Segredos, desgraça e chacina, doenças, afagos sem vacinas”.
A penúltima música é uma homenagem a Luiza Machado, produtora de D2, numa daquelas coisas do coração se apaixonaram e se casaram, tudo rapidamente sem tempo pra perder, somente com o amor para se viver, em “Magrela87”, uma love song, com beat de Barba Negra, em homenagem a essa história de romance marginal. A música ainda tem sample de Raul Seixas, com o trecho de “Prelúdio”, com “Sonho que se sonha só. É só um sonho que se sonha só.
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Marcelo D2 e Luiza Machado |
Mas sonho que se sonha junto é realidade”. Encerrando os toques dos tambores de Marcelo, a faixa “Pelo Que Eu Acredito” e traz um de seus crias, seu filho Sain, que comprova que é reflexo do seu pai, que se desenvolveu e evoluiu com o coroa, além dele um dos grandes destaques de uma nova fase do rap, o emblemático Djonga. D2 faz um retrospecto da sua caminhanado lembrando do que acredita: “Vai vendo, rolé de skate, punk rock, aprendi que a vida ensina a cicatrizar o corte, Garage, boemia, Lapa, se a luta é contra o sistema, irmão, eu dei minha cara a tapa” e com sample de Arthur Verocai em “Ficou vazio o meu quarto, a cama e o meu cobertor”, se lembra dos parceiros do início: “Skunk e Yuka ainda estão comigo, é o certo pelo certo, é nisso que eu acredito e sem o Robson...”
Assim Tocam Meus Tambores é um disco moderno e ancestral, é rua dentro de casa, é poesia que combate ideais fascistas. D2 encontrou uma batida perfeita nesse trabalho, de fato tirou onda, mostrou a real arte do barulho e que amar é para os fortes, misturo rock, maracatu, trap e os tambores, pois seu samba é assim, todos esses elementos estão presentes nessa mais nova obra de Marcelo, e dessa forma nada pode parar o maconheiro mais famoso do Brasil!
Toda a produção executiva de Assim Tocam Os Meus Tambores foi feita pela Luiza Machado, o casal D2 e Luiza também protagonizaram um filme sobre o disco, trata-se dos clipes das doze faixas ementados um no outro e quase que em um único take, onde Marcelo abre sua casa e brada “Bem Vindo Meus Crias!”
Confira no Spotify:
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