Uma das duplas mais inventivas da
música brasileira sem dúvidas é a dobradinha formada por Black Alien e
Speedfreaks. Os rappers de Niterói trouxeram um oxigênio diferente para o hip
hop nacional, influenciados pela gringa é verdade, mas o que não deixa de ser
original, já que bebiam da fonte e não apenas a replicavam.
Numa mistura de boombap e miame
bass, hardcore e ragga, lírica e crônica, flow acido e cantado com rimas
quadradas que descem redondamente perfeitas a dupla elevou o nível do
underground carioca e do rap em geral. Black Alien e Speed, antes atendendo
pelo nome de SpeedFreaks, onde havia Bulletproof, alcunha de Gustavo Black
Alien da época, o DJ Rodrigues e o Speedy Gonzales, alcunha de Speed, desde o
inicio, em 1993, quando começaram chamavam a atenção por sua criatividade. O
grupo se desfez, cada um foi para um lado, depois voltaram como dupla.
A ideia era laçar um álbum
intitulado Na Face, que estava sendo produzido por Herbert Vianna, mas o
projeto foi adiado quando Hebbert sofre o acidente com o ultraleve que o deixou
paraplégico. Antes disso, em 1996 a dupla apresenta a mixtape Corporation
Preview, sendo essa, ao lado da fita demo de 1993 do grupo SpeedFreaks, os
únicos álbuns lançados por Black Aien & Speed.
Parte das músicas desse álbum
foram gravadas e mixadas na Corporation Music, pelo DJ Rodrigues e algumas outras
gravadas em 1996 no Uptown Studios, também por Rodrigues e pelo engenheiro de gravação Kleber
França. O disco possui doze faixas e traz samples de jazz, soul, MPB, música
erudita e reggae em boombaps clássicos e com muito instrumental orgânico,
tocado pelo Speed (que tocava baixo pra
caralho!)
A música “Máfia”
abre o álbum com um beat experimental, mesclando o underground, gangsta e miami base, com grave no baixo, bpms acelerados e intervenção de scratches, a faixa é dançante e fala sobre o crime na cidade do Rio de Janeiro.
"Encare os fatos
a cidade só tem ratos
nas ruas onde eu ando
estão armando
de vagar e sempre
não sei pra quando
eu tô afim de erradicar a raça ruim
aliada a um pinguim"
A segunda faixa é “Mulheres e Crianças Primeiro”, também
conhecida como “Timoneiro”, suprassumo do underground, aqui se destacam a
lírica, a essência da poesia, e o flow que traz uma bela melodia para letra que aborda a construção poética e caminhos dessa fase do rap.
"Não adianta chamar de flow
O que para mim sempre foi levada
A desenvoltura com as palavras
Intimidade com as historias mais amargas
Sensibilidade para falar de assuntos delicados
Meu discurso e mais incisivo que a ponta de uma agulha
Estiletes bem amolados
Para contar o que rola nas quebradas"
“O Crime” é a terceira faixa, com bpms mais suaves e flow cantado as
linhas melódicas narram um acontecimento criminal, mas sem o peso, tensão e
densidade dos raps gangstar, tudo numa suavidade e originalidade digna da
dupla, com destaque para os versos finais de perda total de esperança:
"E o que mais me deprime
É que a história desse crime
A poucos comoverá
Pois matar já é tão normal
Que eu duvido que o jornal tenha espaço pra contar
Esse é mais um crime banal numa noite qualquer"
Seguindo, temos “Lar Doce Lar”, onde o experimentalismo
com o reggae se faz presente, assim como as referencias utilizadas na letra que
aborda justamente as influencias de Speed e Gustavo ara fazerem algo diferente.
"Dispositivo de detonação ativo,
Pra estourar o explosivo
E tudo que me pertence, se percebe bem sempre mostra meu crivo
Selo holográfico em três dimensões acompanha folheto explicativo
A cores e ao vivo
Existo, pra revolucionar
Mas sem o preconceito de achar
Tudo é tradicional, não me serve e não vou mais usar"
A dupla também versa sobre a
época em que viviam, em “Anos 90”
relatam a idiotização em massa daquele período, principalmente com a alienação
da TV, que era uma das poucas atrações domesticas da década. Essa música foi
umas das que teve Kleber França como engenheiro de gravação, e contou com sample
de Richard “Groove” Holmes e Ernie Watts, usando a faixa “Come Together”, do
álbum World Pacific Jazz, de 1970.
"Feliz aniversário, otário: vivi nos anos 90
A tv dizendo pra você como deve ser, como se vestir,
Andar, comprar e o que comer; cabeças fechadas,
Trancadas pelo sistema, não fazem ideia dessa era,
Desse nosso problema..
. Bum-bá! massacre, chacina!
Bum-bá! carnificina!"
“Estilo do Gueto” é a faixa seis, música que também compõe o álbum
solo de Black Alien, o Babylon By Gus volume 1 – O Ano do Macaco, de 2004, e
também passou pelo Kleber França, no Uptown Studios. Afixa e tensa e narra a
vida a vida nas periferias carioca que são trágicas, hora pela violência
policial, hora pela violência das drogas.
"à noite cai um corpo
e avisam a polícia
só depois de cinco horas
ela chega no lugar
sem
um delegado
sem ninguém da perícia
só um homem da justiça o corpo vai levar"
O lado b do disco, intitulado Speed, se inicia com a faixa "Sinistro", com colagens do desenho Speed Racer e da canção de Lobo Mau e Chapeuzinho Vermelho, essa é outra canção de bpms acelerados, quase que um drum & bass, com ótimas performances do DJ Rodrigues, Speed narra sobre sua reputação a zelar:
"Se tô lascado de vontade de foder eu digo 'oi'
então mulher, como é que é?
vem pra cá me dá um beijo
faz firula e você pula no meu pescoço
mas cuidado pra não quebrar um osso"
Seguindo temos a faixa "Lê Cotê", um ragga com destaque para a tensão no piano e a ambientação da música com a utilização de reverb, sem peso de bumbo e caixa, com elementos lo-fi e tímidas viradas de pratos e adesão de sintetizadores FX. A faixa tem participação de Mario Bangalô, e é levada por Speed.
"Não Faça o que eu digo, muito menos o que eu faço tem certeza
Não é melhor assim, pra você fazer discurso em volta da mesa
eu e minha gatinha e os amigos bebendo cerveja
Com voz potente como a de um trovão
dando pra ouvir onde quer que esteja"
O peso que faltou na faixa anterior retorna no original funk "Capeta", e traz a sacanagem dos anos 90 em letra picante, inclusive com colagens de gemidos. A letra é levada toda por Speed com intervenções em scratches pelo DJ Rodrigues.
"De tempos em tempos Speed fica na moda
come uma mina e todas as amigas querem entrar na roda
Tem um alerta pra dar pra você, que isso é foda
E sabe de cor o nome de todas que se rola e se molha"
Na música dez, "Qualesuaonda", ao som da balada de violão com variação no beat no acionamento dos scratches do refrão, a música se destaca pela dobradinha entre Speed e Marechal, dois dos MC's mais líricos e técnicos da cena do submundo fluminense.
"Qualésuaonda?
Que onda é essa?
Ti fazendo o que me interessa
não há quem te impeça"
A penúltima faixa é "Tadinha da Coroa" um rapcore que traz uma guitarra distorcida e a performance do DJ rodrigues em scratches que ajudam a construir a melodia da música, também levada por Speed que narra uma cena de violência, um espancamento inevitável, com refrão solidário, em que o rapper se lemra da mãe de seu desafeto.
"A que pena, tadinha da coroa
bem que ela podia ter tido um filho gente boa
Moleque filha da puta sai da minha frente
Vou te lombrar de porrada
você vai ficar escatelado no chão"
Fechando o disco, "This Is Not The End", em cima da base de "Lar, Doce Lar", Black Alien & Speed encerram a mixtape Corporation Preview, com trechos em inglês, palavras em espanhol e frases português, vem acompanhada de um piano, scratches e colagens para citar o nome dos integrantes, sem ter uma letra construída, a faixa é uma vinheta que encerra essa viagem sonora na alma do underground carioca dos anos 90, e que estava desadas a frente do seu tempo. Abaixo voê confere na integra esse álbum:
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